domingo, outubro 26, 2008

Da série: Minha gata me sacaneia.

Você salva o animal ainda bebê das garras de crianças malévolas.
Você dá comida.
Você dá carinho.
Você ameaça por um fim no relacionamento de dez anos pra conseguir que ele não vá para o abrigo.
Você leva ao veterinário. Dá vacina. Esteriliza.
Dá atenção.
Cria o bicho com todo amor do mundo, com a ração da melhor qualidade, brinquedinhos diversos e uma caminha de 198 reais que ele despreza, porque prefere dormir na sua cama.
Enfim, você trata o bicho como se fosse seu filho, e um dia...
Bom, um dia ele resolve te dar AQUELA sacaneada.
Um dia, o seu gato decide brincar de esconde-esconde. Desaparece. Some do mundo. Você chega do trabalho às duas da tarde e não o encontra. Você revira a casa. Grita por todos os cômodos, chama o nome dele por uma hora quarenta minutos, e nada. Você sai pelo prédio. Passa em todos os andares. Bate na porta dos vizinhos. Pergunta para o porteiro. Acusa a faxineira. Se desespera, liga para a sua mãe, que está do outro lado do mundo, aos prantos e a apavora de tal modo que ela promete ir a Trindade a pé caso seu gato seja encontrado. Você desliga o telefone, e resolve procurá-lo na rua. Olha para a enorme avenida, cheia de carros velozes, e volta a chorar, passa por várias ruas: uma, duas, três, a avenida, a rua do supermercado. As pessoas observam sua cara inchada. Um cretino te diz alguma coisa em meio a risinhos, e você agradece a Deus por não entender a língua dele. Já são sete da noite. Já está escuro. Você volta pra casa. Olha novamente em todos os cômodos, chama o nome, numa tentativa desesperada e desesperançada. Nada. Você respira fundo. Você vai encontrar o seu gato. Volta pra rua. Procura, procura, procura. Encontra vários gatos, inclusive pretos, e finalmente, o seu. Sujo, acuado, escondida embaixo de um carro. Você chama. Ele não vem. Tenta de todos os jeitos, mas ele está assustado e se esconde cada vez mais no centro do debaixo do carro. Bem naquele ponto onde você não alcança. Você manda seu namorido, que te acompanha em sua empreitada pelo resgate do gato, ir em casa buscar aquela papinha Whiscas que o gato adora. Ele vai. E volta. Vocês atraem o gato com a comidinha. Você tenta pegá-lo. Ele te unha ferozmente, e volta para debaixo do carro. Você começa a desconfiar que aquele gato não é o seu. Você pensa que se aquele gato não for o seu, você vai ter que ir ao médico tomar 4 doses de vacina anti-rábica, porque foi unhada por um gato de rua. Você retoma sua fé de que aquele é o seu gato: ele só está assustado. Já são dez da noite. O gato continua embaixo do carro. Você está prestes a desistir. Talvez seja aquilo mesmo. Talvez o seu gato não queira voltar pra casa. Talvez ele prefira a rua. Talvez não goste de você. Talvez só estivesse esperando a oportunidade certa, a porta aberta pela qual ele fugiria para encontrar a liberdade que antes só via pela janela. O gato sai de debaixo do carro. Você pensa: é agora. Vou conseguir pegá-lo, finalmente. Todo o esforço terá valido a pena. O gato corre, sobe num muro e some. Seus olhos se enchem dágua. Seu namorido te consola: é da natureza dos felinos, eles sempre preferem a rua, onde são livres, à casa, onde são bem alimentados e protegidos, mas estão presos. Você vai voltando pra casa triste, as lágrimas escorrendo silenciosas, olhando de rua em rua ainda uma última vez, na esperança de reencontrar seu bichano. Nada. Você entra em casa, senta no sofá. Seu namorido te abraça, fica ali confortando sua perda. São onze e quinze da noite. Você ouve uma barulho no quarto, e de repente seu gato aparece correndo pelo corredor, lépido e fagueiro, como se nada tivesse acontecido.
Você passa dias tentando descobrir onde a porra do gato se escondeu por quase dez horas.
Em vão.
Agora só te resta tentar descobrir como se diz "vacina antí-rábica" em inglês e ir ao posto médico.

3 comentários:

Anônimo disse...

Você chega do trabalho às duas da tarde???????
:oP

Quero mais que tua gata te unhe mesmo...

Aline Vieira da Mota disse...

Chego às duas da tarde no domingo. Dia em que eu também trabalho. A minha vida é muito dura.

Cosette DuBois disse...

Saudades de você demais, moça. Ainda bem que a Layla voltou.
Adoro seus textos! Passei um tempinho longe, sem tempo de lê-los, mas estou de volta, cheia de saudades!
Baussa kabira, habibati!
Dri